Um blog pessoal, com exposições de conhecimentos reais, sejam eles da minha mente ou não.
sábado, 22 de maio de 2021
O Massacre de Canudos
Capa da HQ "A Luta Contra Canudos",Autor: Daniel Esteves, Ilustração Por: Akira Sanoki e Jozz. (2014).
A Guerra de Canudos foi o maior acontecimento histórico do governo de Prudente de Morais, tal conflito ocorrido no interior da Bahia, deixou um rastro de destruição e mortes em um pequeno arraial. Contudo, por ser uma história bem complexa, faz-se a necessidade de expormos todo o acontecimento em tópicos.
- O Personagem Principal
Nascido no interior do Ceará, Antônio Vicente Mendes Maciel, conhecido mais popularmente como Antônio Conselheiro, foi o grande protagonista da revolta. Durante sua infância, teve uma educação diversa, o que lhe ofereceu maior contato com a geografia, a matemática e as línguas estrangeiras, sendo também um amante das escrituras, tendo destacável conhecimento no latim. Antônio era um rabulo (pessoa que advogava sem o diploma, o que era muito comum naquele período), até que em certo momento decide abandonar tudo e peregrinar pelo sertão nordestino pregando um cristianismo primitivo, se tornando um líder religioso humilde que arrastava multidões onde passava.
Fragmento da HQ "A Luta Contra Canudos" retratando a multidão que sempre seguia Conselheiro.
Como antes da República as estruturas das igrejas nos interiores do Brasil eram bem precárias, Conselheiro teve um papel fundamental quando passava por essas regiões, além da pregação religiosa, todo dinheiro que ele arrecadava era doado em benefício da própria comunidade, auxiliava em construções de igrejas e cemitérios e dava conselhos a muitos, daí a origem do seu apelido "Antônio Conselheiro".
Igreja do Bom Jesus, em Crisópolis na Bahia, construída por Antônio Conselheiro.
Antônio Conselheiro adquiriu uma enorme adoração popular, entretanto, as autoridades locais viam tudo isso como uma ameaça à ordem, essas autoridades acabam então criando uma "fake news" sobre ele, onde afirmava que Conselheiro teria assassinado sua antiga esposa e sua mãe, pois teria sido traído por sua mulher e sua mãe estava encobrindo essa traição, endoidando e peregrinando nordeste a fora, o enviaram então de volta para o Ceará, mas depois descobriram que nada disso era verdade e ele foi solto.
Já no período republicano, em 1893, Antônio era bem famoso entre o povo, tanto que muitos o enxergavam como um santo, como messias e até como Jesus disfarçado de peregrino nordestino. Era grande crítico da República, alegava desde 1889 que tal era coisa do demônio e que tinha substituído a forma de governo ungida por Deus, a monarquia. Então, em uma ocasião, quando pregava em uma praça, ele decide quebrar as tabuletas que informava os tributos que o povo teria que pagar à república.
Fragmento da HQ "A Luta Contra Canudos" retratando soldados republicanos colocando as tabuletas na praça que Conselheiro pregava.
Depois desse acontecimento, ele ficou mais "visado" pela polícia, dessa forma, decidiu parar de peregrinar e fixar-se em um lugar no interior da Bahia, chamado Canudos. A partir daí que as grandes movimentações começam a ocorrer.
- De Canudos para Belo Monte
Chegando na cidade de Canudos, Conselheiro decide então mudar o nome daquele local para "Arraial de Belo Monte", esta, que até então era abrigo de fugitivos, só que com sua chegada à cidade, ele buscou mudar as coisas severamente, adereços femininos passaram a ter o uso proibido, assim como a cachaça, os jogos e roubos, esse último que era punido com morte ou corte de membros. Canudos então se torna uma comunidade sagrada, onde o dinheiro republicano não era usado e sim as trocas entre itens, muitas pessoas iam para Belo Monte, mesmo os critérios de vivência de lá serem "extremos", muitos desses apresentavam a ideia "já que estamos perto de morrer, então vamos morrer perto do santo".
Fragmento da HQ "A Luta Contra Canudos" retratando a fixação de Conselheiro e seus seguidores no local que se tornaria Belo Monte.
- O Confronto à Canudos e o Massacre
Os barões da região se irritaram com Conselheiro, sobretudo Cícero Dantas, o barão de Jeremoabo, um dos homem mais influente da época, pois, muitos estavam perdendo mão de obra, já que várias dessas pessoas estavam indo para Belo Monte. Então, Cícero decide intimar o governador da Bahia, Luis Viana, para que ele interviesse com força a conselheiro, mas por não ter precedentes para intervir com tal força, o governador optou por entrar em contato com outra autoridade possível, o arcebispo da Bahia, este, mandou a ordem de capuchinhos composta por 2 padres em missão para lá. Em Canudos, esses padres tentaram quebrar a autoridade de conselheiro, mas ficaram apenas 5 dias no arraial, pois foram expulsos pela população local, visto que, eles foram pregar contra Antônio Conselheiro, o povo amante dele não se agradou disso e queriam até agredir tais padres, sendo Conselheiro quem impediu que a agressão acontecesse.
Passam alguns meses e o governador decide enviar uma expedição militar que tinha como objetivo, por meio da agressão, dispersar a população daquele local, aconteceu que, os residentes de Belo Monte ficaram sabendo desse ataque antes dele acontecer e então decidiram surpreender os militares atacando essa expedição violentamente, pegando até às armas dos soldados que correram dali.
Fragmento da HQ "A Luta Contra Canudos" retratando os soldados republicanos fugindo da investida surpresa dos moradores de Canudos.
Enviaram então uma segunda expedição, dessa vez com a participação da polícia de estados vizinhos, acabou que aconteceu o mesmo que com a expedição anterior, foram escorraçados dali, mas dessa vez com muitos mortos e feridos de ambos os lados.
Fragmento da HQ "A Luta Contra Canudos" retratando a expedição em que já se somava muitas perdas.
Até que Prudente de Morais, atual presidente na época, decidiu assumir o confronto à Belo Monte, devido um boato de que ali seria o local sede de um movimento monarquista que planejava derrubar o sistema republicano, então ele enviou mais uma expedição militar que novamente foi avassalada pelo povo de Belo Monte. Após essa terceira derrota para os seguidores de conselheiro, decidisse então reunir exércitos de todos os lugares possíveis com metralhadoras e canhões para atacar Canudos, resultando em um massacre que derruba o arraial em 1897.
Fragmento da HQ "A Luta Contra Canudos" retratando a artilharia pesada da última expedição militar e a perversidade dos soldados republicanos.
Fragmento da HQ "A Luta Contra Canudos" retratando a destruição do Arraial de Belo Monte.
Fragmento da HQ "A Luta Contra Canudos" retratando o sofrimento dos sobreviventes e o grande número de mortes no massacre.
Ficaram como sobreviventes algumas centenas de mulheres, idosos e crianças. Antonio Conselheiro, com a saúde fragilizada, ser saber até hoje a causa certa mas muito se crê que devido a ferimentos da explosão de uma granada, morreu em 22 de setembro de 1897, dias antes do último combate de Canudos, em 5 de outubro de 1897. Ao encontrarem seu corpo enterrado no santuário de Canudos, os soldados deceparam sua cabeça e a enviaram à Salvador para que estudassem as características de seu crânio, pois na época alguns estudiosos a creditavam que a loucura e a demência deixavam traços estampados nos rostos e crânios.
Fragmento da HQ "A Luta Contra Canudos" (acima) o momento em que soldados encontram o corpo de Conselheiro e dão a ordem para arrancar sua cabeça. Já na imagem de baixo temos a fotografia tirado do corpo do líder de Canudos.
Não teve declaração de guerra, o que teve foi dois lados totalmente desproporcionais em força, de forma que foram centenas de milhares de soldados com ferramentas militares atacando um arraial de dezenas de milhares de pessoas, resultando no massacre de Canudos.
- Curiosidades Artística:
A Principal referência artística e cultural que temos do Confronto de Canudos é o excepcional livro "Os Sertões", publicado em 1902 pelo jornalista e escritor Euclides da Cunha, o qual presenciou uma parte da guerra de Canudos como correspondente do jornal O Estado de S. Paulo. A obra, considerada uma das maiores epopeias artística e ao mesmo tempo científica do Brasil, sendo de cunho sociológico, geográfico, histórico e até antropológico, divide-se em três partes trazendo conhecimentos extremamente importantes à sociedade brasileira para além dos acontecimentos em Canudos. A primeira parte intitulada "A Terra", nos traz estudos sobre o relevo, o solo, a fauna, a flora e o clima da região nordestina. A segunda parte "O Homem", busca trazer uma análise psicológica do sertanejo e de seus costumes, mostrando a relação dos habitantes do lugar com o meio em que estavam contidos, fazendo também uma introdução aos personagens de Canudos e tudo que acontecia por lá. A terceira e mais atrativa das partes, "A Luta", relata toda a guerra ocorrida em Canudos com detalhes minuciosos sobre as batalhas e, consequentemente, a destruição do arraial.
Além do livro de Euclides da Cunha, um marco da literatura brasileira, o confronto de Canudos já foi retratado em diversas outras mídias, desde filmes à histórias em quadrinhos. As ilustrações dessa postagem, por exemplo, foram tiradas da HQ "A Luta Contra Canudos", publicada pela editora Nemo, escrita por Daniel Esteves e ilustrada por Jozz e Akira Sanoki, a obra traz belas ilustrações lúdicas do acontecimento e histórias contadas das duas perspectivas, do povo seguidor de Conselheiro e dos soldados republicanos, mantendo sempre uma neutralidade mas ainda assim trazendo ótimos pontos sobre todo o confronto.
Em 2009, o excelentíssimo artista plástico paisagista e cearense Otoniel Fernandes Neto, em parceria com a Casa de Cultura Euclides da Cunha e a Academia Brasileira de Letras, apresentaram uma belíssima exposição aberta no corredor de acesso ao Plenário da Câmara dos Deputados, composta por 38 painéis com reproduções de telas do artista plástico, retiradas do livro de sua autoria "Os Sertões, Fragmentos e Pinturas", o qual foi inspirado na obra-prima de Euclides da Cunha. Tais pinturas nasceram após Otoniel ter sido motivado pela leitura de Os Sertões, a partir de 1995, ele faz uma expedição à região de Canudos e resulta na volumosa obra, composta por 50 pinturas. Entre os anos de 1996 e 1997, quando ocorreu o Centenário da Guerra de Canudos, as pinturas foram apresentadas em exposição itinerante pelo país, e então foram catalogadas no livro de arte Os Sertões, Fragmentos e Pinturas. A exposição acabou sendo comprada pela Nestlé que a doou ao Museu da Casa Euclidiana, onde está em exibição permanente. Segue abaixo uma "live" de Otoniel falando sobre a coleção, onde é possível ver algumas obras a partir do minuto 8:46.
Além dessa coleção de obras espetaculares sobre Canudos, fica a recomendação da exposição Brasília 60 anos, lançada em 2020, de autoria do mesmo Otoniel Fernandes, tal que apresenta belíssimas pinturas da capital brasileira. Sendo um exemplo:
Otoniel Fernandes. Domingo na Esplanada com joões-de-barro (2020), óleo sobre tela. 50cm x 150cm.
Finalizamos essa postagem com uma passagem do texto "Tristes Tópicos" do jornalista Daniel Piza sobre a ida de Euclides da Cunha à Canudos: “…vai ver o conflito de perto. Espera a supremacia darwinista do mais forte sobre o mais fraco, calculando que a raça branca usaria sua inteligência superior na estratégia militar que sustaria o motim messiânico de Antônio Conselheiro. O que testemunha é um ataque cruel e burro, e uma resistência cabocla que demonstra mais heroísmo que os canhões republicanos”.
"O sertanejo é, antes de tudo, um forte" - Euclides da Cunha em "Os Sertões".
Referências e Fontes de Conhecimento:
Aula de história do professor Vanderlei Marinho Costa - 26/03/2021
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